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SE QUERES MEL, SUPORTA AS ABELHAS (ou… “O sumiço da bike Kona”)

Achei interessante dar este primeiro título ao post que vai contar o maior infortúnio da recente viagem à Europa, talvez uma das maiores decepções da minha “life”. Li isto descendo uma escada rolante num metrô em Lisboa e caiu como uma luva. Na vida,, quando a gente só pensa no lado doce, vem alguma coisa – do nada – e te ferra!

Foi justamente o que aconteceu comigo a 2/3 do Caminho de Santiago, na cidade de Leon (Espanha), em frente à entrada do albergue de peregrinos da cidade, no dia 20/09/11, às 17:25h. Em cinco minutos tudo mudou, o sonho se desvaneceu, os planos tiveram que mudar, é como um terremoto, de repente o chão treme e a casa cai.

COMO ACONTECEU

Nós – eu e o Francesc, outro ciclista que me acompanhava desde Burgos – tínhamos acabado de chegar a León, cidade a cerca de 300 quilômetros de Santiago de Compostela (outros 330 de Madrid, a capital), pouco antes de cinco da tarde do dia 20 de setembro.

Leon, Espanha ( A = Leon, B = Santiago de Compostela )

Procuramos onde ficar e ele sugeriu o Albergue de Peregrinos municipal. Depois de nos informarmos que ficava próximo à “Plaza de Toros” e ao lado da Guarda de Polícia Civil, rumamos para lá. Chegamos rápido. Veja o mapa da situação abaixo.

Entrei primeiro no prédio e deixei o Francesc olhando as bicis. Perguntei a um senhor que trabalhava logo em uma sala na entrada e ele me informou que a recepção do albergue ficava no segundo andar. Subi até lá e procurei saber se haviam vagas disponíveis. A senhora que me recebeu disse que sim e que trouxéssemos as credenciais para fazer a ficha. Desci rápido e falei com o Francesc que poderiamos ficar por ali. A estrutura do albergue me pareceu adequada, entre as melhores do que já tínhamos estado.

Então iniciamos o processo de amarrar as bikes com os cadeados numa estrutura de ferro que ficava bem em frente à entrada mas em lugar afastado da rua e cercado por mais 2 portões (veja mapa esquemático), porém abertos àquela hora (fecham às 8 da noite).

León, albergue municipal de peregrinos, vista aérea

Reparem na imagem acima, que a linha vermelha após a entrada representa um segundo portão para demarcação do local do albergue. As bikes foram estacionadas no local demarcado em verde. Notei que havia uma câmera de vigilância apontando para o local (um pouco mais para o portão). Dei um bom nó no cadeado, 2 voltas pela estrutura e a roda dianteira e subimos. Mas ainda deixamos os alforges presos nas bicis, porque não se soltavam tão facilmente em função da amarração auxiliar feita pelos extensores.

Daí subimos os 2 para preencher a ficha de hospedagem, como habitualmente era feito em todos os outros locais de hospedagem pelo qual havia passado nos últimos 9 dias. Só que quando a senhora me solicitou o número do passaporte me dei conta que o havia deixado em um dos alforges. (Por quê? Normalmente ele se encontrava na mochila presa às costas, mas justo naquela tarde em que eu carreguei um pouco mais de comida e estava quente, fiquei com receio de que, esquentando “melasse” alguma coisa – tinha coisas pastosas… – e aí manchasse o passaporte. Infeliz excesso de zelo… pra quê? Cinco minutos depois descendo as casas, paro em frente à porta do albergue e olho para o local onde as bikes estavam “parcadas”. E, CADÊ A MINHA???!!!!

Sumiu.

“DEPOIS DO BOMBARDEIO”

Bem, quando as minhas “torres gêmeas” vieram ao chão – um 11 de setembro, 9 dias atrasado – vc começa a pensar aquelas coisas de todo mundo que já teve um carro roubado (que é mais comum…) sabe como é. “- Não, “péra aí”!!! Eu parei bem aqui. Q q houve???” Olha pro lado, vai de um pra outro… não acredita no que viu. Ainda corri na rua pra ver se percebia algo. ZERO. Zerinho. Aí se dá conta que foi vítima de um furto muito bem praticado. E a tua bici já era.

Esquina em frente à entrada do albergue mostrando a câmera de vídeo da segurança pública.

Subi e falei: “- Cara, minha bike não tá lá. Sumiu!!!” O Francesc desce, confere, fica sem ação. Ainda pergunta: Por que não a minha? Eu retruco: porque o cara q roubou sabe q a minha é melhor (de fato, era BEM melhor). Ele ainda tinha sugerido momentos antes de subirmos que na volta quando retirássemos as alforjas grudaríamos uma bici na outra para atrelarmos em dobro usando os cadeados – como tínhamos feito uma vez em outro local um pouco mais exposto.

Eu peço para ver as imagens do circuito de segurança. Vem o outro funcionário que trabalhava no primeiro andar do prédio e faz o acesso após alguns minutos de procura. Quando foca após às 17:20h, nossa entrada, vamos observando as sequências gravadas. Cerca de 2 minutos após entra um sujeito pelo segundo portão – parece garotão de não mais que 20 anos. A câmera infelizmente não foca para o ponto onde as bicis foram amarradas. Em 2 minutos a seguir ele sai com a bici a seu lado. Quase por 1 minuto eu não pego o cara no flagra. PQP! Muita falta de sorte??? Destino? Ou será q poderia ter sido pior? (Sempre existe aquela máxima de que nada é tão ruim que não possa piorar… Murphy’s Law)

Como se diz por aí: “- Perdeu, playoy!” Agora a Kona já não está mais em minha posse. E com ela foram juntos as alforjas e diversas coisas importantes que eu adquiri e levava para a cicloviagem. Um “preju” violento. Mas acho que o maior prejuízo ainda não é esse, que de certa forma pode até ser “recuperável” (é? $$$$$)

O pior é o prejuízo = desgaste físico e emocional. Algo sem limites. Um misto de sentimentos de decepção, fraqueza, indignação, tristeza, surpresa, revolta, estresse, agitação, raiva, impotência, confusão mental, perplexidade… Cara… é tanta coisa junto em pouco tempo!!!

Vc espera vários anos pra fazer uma viagem bacana, um Caminho que todo mundo fala que é tranquilo, que vc vai reciclar suas energias e toma uma “porrada” dessas no meio da cara, assim do nada, quando menos espera. Olha, se eu tinha que pagar os meus pecados, testar a minha fé, arrisco dizer que tá bem pago. Tô no lucro, até! Só saindo de uma dessas com um pouco de bom humor que é pra não pirar de vez.

Bem, daí pra frente acho q não interessa muito expor mais este vexame, as providências iniciais foram tomadas. Procurei a Polícia Local, registrei o B.O. que para eles na Espanha significa um documento de “Denúncia”. O Francesc foi comigo, serviu como testemunha. Ele continuou sua jornada para Santiago e eu retornei para Madrid para pegar minha autorização de retorno ao Brasil, documento oficial emitido pelo Consulado brasileiro que substituiu temporariamente o passaporte para vc não ficar ilegal no estrangeiro. Agora aqui no Brasil vamos repensar os fatos e ver o que ainda pode ser feito.

OS ERROS

Li em algum lugar (http://pensador.uol.com.br/autor/madre_tereza_de_calcuta/) o que Madre Teresa de Calcutá disse:

“A coisa mais  fácil?……Equivocar-se.”

E não foi mesmo? Pra mim estes foram os erros importantes cometidos para que a bike Kona sumisse aquele dia em Leon:

– Subestimar a segurança do local:
não é porque não estava direto na rua, depois de 2 portões e com uma câmera de vídeo por perto que não pode ter algum ladrão mais esperto que a roubasse (e ainda por cima do lado de um escritório da Guarda Civil). O cara provavelmente já estava à espreita de peregrinos e conhecia a maneira de entrar e sair dali sem ser notado.

– Subestimar a segurança da própria bike (o GRANDE erro)
uma vez em uma palestra do TA (Transporte Ativo) lembro do que o Zé Lobo disse: “- a segurança da sua bici deve equivaler a 10% do valor dela”. No caso em questão ela não chegava a 5%. E essas trancas compradas prontas não são boas o bastante. O ideal é ter uma boa corrente e um bom cadeado. E sempre mais de um sistema. De preferência um deles complexo que não seja fácil desmontar ou cortar.

Vou deixar como exemplo um que conheci na bike de um holandês que cruzei em Burgos. É um sistema diferente, nunca tinha visto no BR. O dele era ABUS (alemão) mas encontrei outra marca conceituada (AXA): Seguem os links para quem tiver curiosidade:

http://www.abus.de/us/main.asp?ScreenLang=us&select=0104b04&artikel=4003318375552

http://www.amazon.com/Abus-Locks-495-Frame-Lock/dp/B001BAJA4A

http://www.amazon.com/Defender-RL-Bicycle-Frame-Lock/dp/B004AQNM78

A vantagem seria que, se a galera daqui pouco conhece, dificulta bem mais o “larápio”. Não sabe a “manha” de abrir. Mas este tem que estar combinado com outro sistema de corrente para passar em torno do quadro e do “poste” ou estrutura fixa no chão.

– Excesso de autoconfiança / descuido

Houve um momento pouco antes pedalando, já próximo de Leon, que pensei cá comigo: “- Este Caminho de Santiago agora virou uma questão matemática, em 4 dias eu completo na boa, tá tranquilo…” Eu já tinha “baixado a guarda” em todos os sentidos, não via dificuldades, achava os locais bem seguros em relação ao BR, o meu lado de “advogado do diabo” tinha virado as costas.

Jamais confiem na própria sorte. A vida não é matemática – é estatística, feita pelo cálculo das probabilidades. Tudo tem risco, nem que seja 0,0001%. (Eu então é que nunca esquecer disso.) Mas o ser humano falha, o erro é inerente a natureza humana. [ “Errare humanum est” ] Foi nessa que dancei. Não foi totalmente culpa minha…  era difícil de acontecer. Mas não IMPROVÁVEL.

Fica o recado, o Caminho de Santiago tem perigos, sim. A própria funcionária da Comissaria local me relatou quando perguntei se os roubos eram ocasionais. Ela disse que nem tanto. Toda semana chegava alguma denúncia relacionada a turistas (eles só não divulgam “pra geral”). ABRAM O OLHO!!!

CONCLUSÃO

Agora “Inês é morta”. Eu me arrasei, perdi o encanto com o cicloturismo, em andar de bike, em ter um produto de qualidade. Vou levar muito tempo para superar esse trauma. As coisas têm que ser repensadas.

Só me expus e passei por mais esta “via crucis” de relembrar o que se passou para não deixar “morrer comigo”, quem sabe alertar outros peregrinos, cicloturistas por aí que não caiam na mesma situação. Foi só isso mesmo, porque, de resto, prefiro mudar de assunto, ok, galera?

Um abraço.

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Ubi mel, ibi apis.
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